O ex-presidente da Assembleia Nacional são-tomense Delfim Neves apresentou uma queixa por difamação contra o primeiro-ministro, Patrice Trovoada, por este o ter identificado como mandante do ataque ao quartel-general das Forças Armadas, ocorrido em 25 de novembro.
Em causa estão declarações do chefe do Governo no próprio dia, quando Patrice Trovoada anunciou, em conferência de imprensa, que Delfim Neves tinha sido detido pelos militares, na sequência do ataque ao quartel-general, que as autoridades são-tomenses identificaram como uma tentativa de golpe de Estado e que foi condenado pela comunidade internacional.
Nessas declarações, poucas horas depois de o assalto ter sido dado como neutralizado, o primeiro-ministro afirmou que “tudo indica” que o ataque ocorreu “a mando de algumas personalidades”, adiantando que estavam já detidos no quartel Delfim Neves e Arlécio Costa, um ex-combatente do batalhão sul-africano ‘Búfalo’ e que já tinha sido condenado em 2009 por uma tentativa de golpe de Estado.
O primeiro-ministro “apresentou-se em imagem televisiva para os são-tomenses e para a população estrangeira, residente e internacional, imputando a autoria, como financiador direto, do que descreveu como tentativa de golpe de Estado, à pessoa de Delfim Santiago das Neves”, lê-se na queixa apresentada junto do Ministério Público, e a que a Lusa teve acesso.
“Com este comportamento, cometeu o denunciado Patrice Emery Trovoada um crime de difamação previsto e punido pelo artigo 185.º do Código Penal de São Tomé e Príncipe e por ter sido proferido usando a comunicação social, com publicidade e calúnia, crime agravado pelo artigo 188.º do Código Penal”, indica.
A queixa refere ainda: “As declarações de Patrice Trovoada causaram alarme social e perturbaram gravemente o queixoso, bem como os seus familiares, amigos e conhecidos. Tais expressões são objetivamente ofensivas da honra e consideração social do queixoso, imputando-lhe factos que não são verdadeiros, apesar de serem de grave natureza criminal”.
Contactado pela Lusa, o primeiro-ministro escusou-se a comentar.
Delfim Neves foi detido por militares quando estava na sua casa, na madrugada do dia 25, tendo sido levado para o quartel-general, onde permaneceu, numa sala, até ao final do dia, quando foi transportado para as instalações da Polícia Judiciária, juntamente com os restantes detidos, após mediação do Presidente da República, Carlos Vila Nova, e da comunidade internacional.
O antigo presidente do parlamento, indica a queixa, esteve numa situação de “sequestro por mais de 106 horas” e sofreu “forte comoção física com danos causados ao seu coração e sistema nervoso”.
Quase três meses após o ataque, o ex-presidente do parlamento, cujo mandato cessou no início de novembro, após as eleições legislativas de setembro de 2022, ainda sente “forte abalo emocional e sofrimento psicológico, com pesadelos e tremores que lhe perturbam o descanso”, lê-se ainda.
A queixa relata ainda que Delfim Neves se sente “profundamente humilhado e aterrorizado” e foi alvo de “uma onda de ataques e inimizades pessoais precisamente pelo crédito dado às palavras de um primeiro-ministro, o que coloca, além de si, a sua própria família em perigo”.
“Queremos o apuramento total da verdade. Não é a primeira vez que sofremos tais situações, a última foi durante o meu [anterior] mandato, em 3 de agosto de 2018”, disse Patrice Trovoada, na mesma conferência de imprensa na manhã de 25 de novembro, aludindo a uma alegada tentativa de golpe, na qual foram detidos três alegados mercenários espanhóis, a pouco mais de um mês das eleições legislativas daquele ano, e que foram libertados pouco depois, sem acusações.
“Espero que desta vez a justiça vá até ao fundo, que toda a gente conheça a verdade e que os criminosos sejam trazidos à justiça, que sejam julgados e que a justiça tenha uma mão firme, forte, porque é inadmissível que em democracia as pessoas queiram controlar, usurpar o poder à força”, sublinhou.
Para Trovoada, “certos indivíduos não se conformam com a vontade das urnas e do povo soberano e mancham assim o país, tentando minar todo o esforço que o atual Governo está a tentar fazer para recuperar a nossa economia e tentar trazer o melhor” para as populações.
Na madrugada de 25 de novembro, quatro homens atacaram o quartel das Forças Armadas, na capital são-tomense, num assalto que as autoridades classificaram como tentativa de golpe de Estado. O oficial de dia foi feito refém e ficou ferido com gravidade devido a agressões.
Três dos quatro atacantes detidos pelos militares, e Arlécio Costa – detido posteriormente, em casa -, morreram horas depois no quartel.
Fotos e vídeos dos homens com marcas de agressão, ensanguentados e com as mãos amarradas atrás das costas, ainda com vida e também já na morgue, e com militares a agredi-los, foram amplamente divulgadas nas redes sociais.
Um total de 11 militares estão presos preventivamente, por alegado envolvimento nos maus-tratos e mortes dos quatro homens, enquanto outros seis foram constituídos arguidos e ficaram sujeitos a termo de identidade e residência (TIR). Outros nove estão em prisão preventiva no processo de investigação do assalto ao quartel.
Lusa