Deputados defenderam hoje que, em vez de 1975, a data da independência de Angola seja considerada 1961, início da luta armada no país, o marco para o reconhecimento das vítimas de conflitos armados no país.
Este ano marcou o início da guerra colonial, que se prolongou por 13 anos e começou em Angola. A posição foi hoje expressa durante a discussão, na especialidade, da proposta de Lei do Regime Especial de Justificação de Óbitos Ocorridos em Consequência dos Conflitos Políticos.
A proposta de lei de iniciativa governamental surge na sequência da aprovação do Plano de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos ocorridos em Angola entre 11 de novembro de 1975 a 04 de abril de 2002, havendo, consequentemente, a necessidade de proceder ao registo de óbitos e a emissão das respetivas certidões a favor das vítimas no período em referência.
A proposta de lei surge igualmente da necessidade de tornar célere e simplificado o processo de justificação de óbito, desburocratizando e descentralizando competências, por formas a poupar os esforços dos familiares interessados com o atual procedimento, estabelecido no Decreto nº 91/81, de 25 de novembro.
Nas discussões, o deputado do grupo parlamentar do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), João Pinto, referiu que “para se chegar a 11 de novembro houve luta”.
“Como é que vamos ter 11 de novembro sem ter (19)61, não é possível”, disse João Pinto, durante o debate, noticiado pela rádio pública angolana, sugerindo que por altura da regulamentação “o Presidente podia resolver a questão”.
Por sua vez, a deputada da União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), Albertina Ngola, frisou que é preciso reconhecer que para se chegar à independência cidadãos angolanos perderam a vida.
“Nós ainda não existíamos, os mais velhos sabem por onde passaram, portanto, penso que é digno assumirmos aqui que, se é certificação, façam-se as diligências necessárias e possamos sim recuar para 61. Se é conflitos, para chegarmos à independência tivemos de optar por conflitos, ninguém nos deu a independência de bandeja”, sublinhou a deputada.
Já o deputado André Mendes de Carvalho (“Miau”) da Convergência Ampla de Salvação de Angola — Coligação Eleitoral (CASA-CE), na mesma senda, considerou que “não é possível fazer-se uma análise desses processos sem olhar para trás”.
“E 1961, do nosso ponto de vista, é um bom marco. E porque é que também deve ser essa a nossa linha de atuação? Para que casos do mesmo tipo não se repitam. Não podemos comprometer uma análise profunda, para que casos idênticos não se repitam. É bom que isso fique de facto patente, ninguém quer vinganças, não é isso que está em causa”, frisou.
Na apresentação da proposta do diploma legal, para aprovação na generalidade, o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, disse que o documento visa eliminar o recurso obrigatório à via judicial, sendo possível declarar a morte mediante procedimentos administrativos excecionais para a obtenção de certidões de óbito.
Francisco Queiroz explicou que a futura lei permite que se faça o pedido, por escrito ou verbalmente, junto de qualquer conservatória do registo civil, delegação provincial ou municipal do registo civil, das administrações municipais ou comunais da área de residência e o comprovativo de óbito emitido pela comissão a ser criada, pode dispensar outras diligências para o apuramento dos factos.
O governante angolano sublinhou ainda que a proposta tem como objetivo criar-se um regime especial para a emissão das certidões de óbito para os casos em que não foi possível cumprir-se tal formalidade legal até agora.
Uma das situações em que há bastante reclamação de familiares tem a ver com o 27 de maio de 1977, data de um alegado golpe falhado contra o primeiro Presidente de Angola, António Agostinho Neto, que levou a milhares de mortos em execuções extrajudiciais, segundo vários analistas e sobreviventes.
O titular da pasta da Justiça e dos Direitos Humanos frisou que, no período de guerra, ocorreram em Angola “episódios de violência que geraram muitas mortes sem que os familiares dos falecidos pudessem registar os óbitos e obter a emissão das respetivas certidões”.
De acordo com o ministro, houve consequências na vida dos parentes sobreviventes, em particular questões relativas à paternidade, viuvez, contração de segundas núpcias, regime hereditário, titularidade de bens e sua transmissão por morte.
A lei em vigor sobre esta matéria, realçou o ministro na altura, exige o recurso via judicial quando faltar qualquer comprovativo dos factos alegados, sendo que os processos levam, por vezes, anos para se conseguir fazer o registo judicial de morte nestas circunstâncias e obter as respetivas certidões de óbito.
A proposta legislativa, com cinco capítulos e 19 artigos, vai à votação final global na próxima reunião plenária prevista para o próxima quarta-feira.