O parlamento neerlandês recebeu hoje o acordo entre quatro partidos de centro-direita para o Governo de coligação dos Países Baixos que, liderado pelo liberal Mark Rutte pela quarta vez consecutiva desde 2010, pretende resolver problemas acumulados nos últimos anos.
Os temas principais que ocupam as 50 páginas do acordo são a habitação, as alterações climáticas, a crise do nitrogénio, o investimento na educação e, em especial, as consequências que ainda sofrem mais de 47.000 famílias e as suas 97.000 crianças devido ao escândalo das ajudas aos pais, que foram infundadamente acusados de fraude fiscal e perseguidos até à ruína desde 2013.
“Cometeu-se uma grande injustiça para os pais afetados e seus filhos, com graves consequências em todas as áreas das suas vidas. Para lhes fazer justiça, é essencial uma compensação generosa e uma cicatrização emocional”, sublinha o acordo.
A perseguição das Finanças a famílias inteiras é o pior escândalo administrativo, institucional e político da história recente dos Países Baixos, e que causou a queda do Governo em janeiro passado.
O futuro executivo abolirá, portanto, o atual sistema e financiará as creches em até 95%, para que os pais só paguem uma pequena contribuição, e os subsídios não serão pagos em forma de ajudas, mas diretamente às instituições de cuidado infantil, para evitar que as famílias “se percam em regras complicadas”, como aconteceu desde 2013.
O partido liberal VVD, o progressista D66, o Apelo Democrata-Cristão (CDA) e a União Cristã (CU), que governaram em coligação de 2017 a janeiro deste ano (quando se demitiram em bloco e ficaram em gestão corrente), demoraram nove meses a atenuar as divergências surgidas após as eleições de março e recuperar a unidade com que governaram antes.
O lema do acordo, “Cuidar uns dos outros, olhar para o futuro”, expressa “um sentimento social” e uma “visão progressista do futuro”, segundo Sigrid Kaag (D66), que defende que o próximo Governo tem ambições progressistas, embora haja preocupação na oposição com o plano de travar os gastos com a Saúde nos próximos anos.
O ministro das Finanças em funções, Wopke Hoekstra (CDA), quer continuar no Governo e explicou que se vai “reduzir para metade o número de crianças que crescem na pobreza, se vai enfrentar a falta de habitação e investir milhares de milhões em infraestruturas e qualidade de vida”.
Do acordo, destacam-se o aumento gradual do salário mínimo em 7%, que se baseará numa semana laboral de 36 horas (como propunha a esquerda, na oposição), e a prioridade dada à resolução de desafios sociais como as alterações climáticas e a crise do nitrogénio, com 35.000 milhões e 25.000 milhões de euros adicionais, respetivamente.
Haverá também um ministro do Clima e da Energia no futuro executivo, que pretende construir duas novas centrais nucleares e manter aberta a central elétrica de Borselle.
Um dos principais problemas que hoje têm os Países Baixos é a crise imobiliária, pelo que o futuro Governo promete construir até 100.000 habitações anualmente, com pelo menos dois terços destinados a arrendamento acessível e a futuros proprietários que procuram primeira residência. Haverá igualmente um ministro da Habitação e do Ordenamento Territorial.
O próximo Governo neerlandês quer abolir o imposto dos grandes proprietários e alcançar “acordos vinculativos” com as associações imobiliárias para estabelecer mínimos que permitam a construção de casas acessíveis, bairros habitáveis, planos de renovação e sustentabilidade.
Será introduzido um imposto sobre o açúcar, e não será aplicado IVA a frutas e verduras.
Rutte quer abolir o sistema de empréstimos aos estudantes universitários para apostar numa bolsa básica e outra complementar ligada ao rendimento, e será feito um investimento estrutural de 170 milhões de euros no setor cultural.
As questões de ética médica como o aborto e a eutanásia, principal problema entre o D66 e a CU, não estão vetadas no acordo e passarão a ser uma questão de “livre consciência” dos deputados, que poderão votar com base nas suas próprias convicções.
Johan Remkes, o “informador” que ‘testou as águas’ para formar o executivo, sublinhou que o acordo surge “num momento importante”, porque os Países Baixos “necessitam urgentemente de Governo”, e lamentou que o período de negociações tenha sido “excessivamente longo”, porque pôs “à prova” a paciência da sociedade.
A progressista Vera Bergkamp, presidente do parlamento, instou a que se “recupere a confiança na política”, depois de um ano complicado no país, que teve na liderança um Governo em gestão corrente que apenas geriu a pandemia de covid-19, com constantes protestos — alguns desembocando em fortes distúrbios — e com tarefas pendentes urgentes acumuladas.
Lusa