Um relatório social sobre famílias de seis municípios, de três províncias angolanas, revela que a maioria enfrenta “várias privações e vivem em condições precárias”, com rendimentos muito baixos que impossibilitam a satisfação das suas necessidades.

O Relatório Social 2024, da autoria do Conselho de Igrejas Cristãs em Angola (CICA) e divulgado hoje em Luanda, adianta que, independentemente dos investimentos do executivo para o aumento da oferta de serviços, com o provimento de infraestruturas sociais, “é ainda pouco visível a diminuição das desigualdades sociais nas comunidades”.
“Um dos principais indicadores é exatamente a diferença entre o rendimento base dos agregados e a sua capacidade para satisfazer as necessidades básicas da família. Ou seja, atualmente as famílias precisam de doze vezes mais do que realmente ganham”, descreve-se no documento.
Entre julho e agosto de 2024 foi analisada a situação social e económica das famílias residentes nas aldeias das comunas dos municípios de Saurimo (sede, Mona-Quimbundo e Sombo), Cacolo (Sede, Cucumbi e Alto Chicapa), Xá-Muteba (Sede), Cuango (sede), Chipindo (Bambi e Sede), Quilengues (Sede, Dindi e Impulo).
A CICA destaca os constrangimentos registados na recolha dos dados, como a falta de colaboração das autoridades tradicionais devido a receios, as difíceis condições das vias de acesso, bem como as restrições no acesso às aldeias pela via da Sociedade Mineira de Cuango, para entrar nas aldeias circunvizinhas.
Apesar dos constrangimentos, foi possível realizar a avaliação com mais de 1.600 inquiridos, em 13 comunas, de seis municípios das províncias da Lunda Norte, da Lunda Sul e da Huíla.
De acordo com o relatório, o Programa Integrado de Desenvolvimento Local e Combate à Pobreza (PIDLCP) 2018-2022 não conseguiu melhorar as condições sociais básicas das famílias, fundamentalmente em relação à saúde, à educação, ao acesso à justiça, à água e saneamento e à inclusão produtiva dos segmentos mais vulneráveis das comunidades.
“A estratégia continua a (re)produzir mais defeitos estruturais e processuais do que retirar os cidadãos da situação extrema de pobreza”, realça-se no documento.
Os critérios de priorização, o envolvimento efetivo das comunidades na definição dos projetos, o alinhamento entre as necessidades e as propostas de soluções continuam a ser negligenciados pelos órgãos da administração local do Estado, acrescenta.
O retrato a estas áreas revela também que “as comunidades continuam a enfrentar múltiplas privações, principalmente em relação ao acesso aos serviços sociais básicos”, que “tornariam real” a presença do PIDLCP na vida das pessoas.
“Pensamos que a situação atual vivida nas comunidades é fortemente influenciada pelo modo como se pensa e como se capta a realidade e a questão social. Atualmente, o valor atribuído pelo Kwenda às famílias, no âmbito das transferências sociais monetárias, é demasiado exíguo para fazer face às necessidades das famílias”, enfatiza.
Além de exíguo, o valor do Kwenda (programa de transferência directa de renda para famílias em situação de vulnerabilidade) beneficia uma “porção” bastante reduzida da população que vive em situação de pobreza extrema nas comunidades, que em média necessitaria, face ao tamanho médio do agregado e ao elevado custo dos bens e serviços, um mínimo de 45.000 Kwanzas/mês (45,2 euros) para as despesas com alimentação e cuidados gerais, principalmente com menores.
A ampliação das infraestruturas e serviços sociais básicos, segundo a análise, continua concentrada nas sedes municipais, pouco nas sedes comunais e quase nada no interior (nas aldeias), levando as comunidades, com frequência, a percorrerem longas distâncias à procura dos serviços ou a adotar alternativas não recomendáveis, como, por exemplo, o consumo de água imprópria, o recurso aos curandeiros (na ausência de unidades sanitárias).
Além de não haver “articulação entre os diferentes programas ou iniciativas públicas”, foi constatado que “os gestores continuam a dificultar o acesso à informação que deveria ser pública”, inviabilizando a oportunidade de “contarem com a participação da sociedade civil no processo de controle dos desvios e indicação de novos e melhores caminhos para o desenvolvimento social das comunidades”.
Segundo o relatório, a participação dos cidadãos nos espaços de concertação social continua a ser apenas formal e as suas ideias e propostas dificilmente são consideradas.
Lusa