A queda do kwanza, que desvalorizou 60% desde o início do ano, apanhou desprevenidas muitas empresas que operam em Angola e que admitem “congelamento” de investimentos, agravando o desemprego e as condições de vida da população.
“Obviamente, como uma empresa com necessidade de fatores de produção exclusivamente importados e com um elevado número de expatriados, a desvalorização acentuada e abrupta do Kwanza impacta muito negativamente na atividade da Novagrolider”, disse à Lusa o diretor financeiro (CFO) deste grupo, um dos maiores projetos agroindustriais angolanos, que emprega 4.000 pessoas.
Para António Nogueira, a situação reflete-se no congelamento dos investimentos em curso e eventual redução do número de funcionários, bem como recurso às divisas próprias, uma vez que a Novagrolider, sendo uma empresa exportadora — é a maior produtora de banana em Angola e exporta para vários países incluindo Portugal – consegue gerar divisas.
O responsável sublinha ainda que estes fatores influenciam os preços de venda dos produtos e teme que o arrastar deste cenário agrave a pobreza e o desemprego.
“A não inflexão do estado atual, seja na disponibilidade seja no preço das divisas, provocará uma quebra no investimento dos agentes económicos nacionais com graves consequências a nível no emprego e dos preços de todos os produtos e consequente deterioração das condições de vida da população em geral”, realçou.
Também o presidente executivo (CEO) da Refriango, uma das maiores empresas de bebidas angolanas, disse que a desvalorização repentina da moeda angolana “apanhou todos de surpresa”, obrigando a reavaliar estratégias.
“Estamos atualmente na fase de ajustes, para compreender os impactos deste cenário económico mais desafiador”, disse à Lusa Diogo Caldas, acrescentando que a Refriango está a avaliar diferentes estratégias para minimizar os impactos negativos e adaptar-se à nova situação económica.
“Estamos a tentar implementar medidas rápidas e eficazes para garantir a continuidade e a sustentabilidade financeira”, declarou.
“Estamos a enfrentar muitas dificuldades”, concorda António Leal, diretor geral da Score Distribuição, dona dos supermercados Deskontão.
Entre estas, destacou os “impactos significativos ao nível da tesouraria, resultante das liquidações de CDI [Créditos Documentários de Importação, funcionam como garantias de pagamento] de mercadorias já recebidas e vendidas com diferenças cambiais negativas muito significativas”, bem como retração do consumo, devido ao aumento significativo dos preços dos produtos.
Quanto às medidas para fazer face este cenário, “são essencialmente de contenção, redução das importações e corte nos custos”, complementou António Leal.
A consultora BMI, do grupo Fitch Solutions, reviu hoje em baixa a previsão de crescimento para Angola este ano, antecipando um regresso à recessão, essencialmente devido à desvalorização do kwanza e ao aumento da inflação.
“Prevemos que o PIB real vá contrair-se 0,7% em 2023, depois de uma expansão de 3,1% em 2022, o que é uma revisão em baixa face à nossa anterior previsão de 1,8%”, lê-se numa nota enviada aos investidores, e a que a Lusa teve acesso.
Na revisão das perspetivas de evolução da economia de Angola, os analistas explicam que “esta revisão reflete largamente o impacto da forte desvalorização do kwanza em junho”, e acrescentam que “o aumento da inflação vai impactar no consumo das famílias e no investimento das empresas, o que coloca ainda mais pressão descendente na atividade económica do setor petrolífero”.
Entretanto, o Banco Nacional de Angola antecipou para sexta-feira a reunião do Comité de Política Monetária (CPM), inicialmente prevista para 17 e 18 de julho, sem revelar os motivos da alteração, indicando que se mantêm na agenda de trabalhos a análise da evolução dos indicadores macroeconómicos e análise dos mercados monetário e cambial.
Lusa