Domingo, 29 de Junho, 2025

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São Tomé: moradores de Praia Messias Alves recusam votar enquanto faltar água, luz e estrada

Na povoação de Praia Messias Alves, perto da praia de Santana, na ilha de São Tomé, não há água canalizada, não há eletricidade pública, não há estrada alcatroada. Hoje, dia das eleições presidenciais, não houve votos.

Com peças de sucata, paus e ramos de árvores, a população montou uma barricada durante a noite e impediu o acesso ao local de votação, que deveria ter decorrido numa tenda montada um pouco mais acima, num terreiro.

Cartazes pendurados na estrutura pedem “boa qualidade de cabo elétrico” e “estrada”.

“Estamos aqui desde as duas da manhã. Trouxemos mata-bicho [pequeno-almoço] aqui, almoço aqui, jantar aqui”, relatou Marisa, 34 anos, mãe de três filhos, apontando para loiças, sobre uma toalha no chão.

Praia Messias Alves, no distrito de Cantagalo, tem tudo para ser paradisíaca, com a vegetação frondosa que preenche a encosta sobre o mar. Mas está longe disso.

Uma estrada esburacada de terra batida atravessa a povoação, e as casas, feitas de chapas de zinco e tábuas de madeira, distribuem-se pela floresta dos dois lados do caminho. O chão é uma mistura de lixo, lama e dejetos de animais.

“Estamos a sofrer, não estamos a aguentar mais”, diz Tatiana, uma estudante de 26 anos, já rouca de tanto gritar ao longo do dia.

À pergunta de quantas pessoas vivem ali, respondem os moradores: “‘buéda’ pessoas”, “muita gente”, os números variam entre as 300 e as 500, contando com “gente grande, crianças e bebés”.

Queixam-se da falta de luz pública — “podem violentar uma mulher, é muito escuro” — e de água corrente — para aquela população, o único ponto de acesso a água é uma nascente no meio da floresta.

Para lá chegarem, mulheres e crianças, quase todos descalços, atravessam, por cima de uma chapa de metal ferrugenta, uma vala pantanosa, onde porcos se passeiam livremente numa lama cinzenta.https://02e66c2683c15dfcfb71c36a7d02829b.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

De um buraco numa laje no chão, tiram baldes de água, que utilizam para tudo: consumo, lavar roupa, banho. Ali esfregam sapatos, ao lado da loiça.

Uma senhora, mais velha, pega num copo de plástico cor-de-rosa e bebe uns golos. Tatiana explica que normalmente põem um pouco de lixívia antes de consumirem.

O mau estado da estrada impede, por exemplo, uma ambulância de ali chegar e, quando chove, tudo se transforma em lama, porque as valas estão entupidas e rapidamente a água invade as casas.

“Chegamos a ficar com a água pela cintura e temos de ir para a rua”, conta uma rapariga.

No protesto, são as mulheres que lideram. Os homens, explicam, prepararam tudo durante a noite e agora foram descansar.

“Eles vieram aqui quatro vezes e foram embora quatro vezes. Veio polícia, veio ‘ninjas’ [polícia de intervenção]”, relatou Marisa, que garantiu que não houve confrontos: “Correu tudo bonito”.

Agora, prometem que não vão votar enquanto não resolverem os problemas daquela terra. Nem na repetição da votação, nem numa eventual segunda volta, nem nas eleições legislativas.

“Não fizeram nenhum acordo connosco. Vamos continuar aqui”, assegurou Tatiana.

Conselhano, 52 anos, afirma: “Se não há energia, não há voto”.

O cenário de boicote repetiu-se em outras três mesas de voto — Milagrosa e Ototó (distrito de Mé-Zochi) e Mulambo (Lembá).  As reivindicações são as mesmas.

Lusa

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