O senador brasileiro Angelo Coronel considera “muito mais graves” as acusações feitas contra o chefe de Estado, Jair Bolsonaro, nos seus cerca de 30 pedidos de destituição, do que as que tiraram do poder Dilma Rousseff.
Angelo Coronel (Partido Social Democrata), que é também presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das ‘fake news’ no Brasil, disse, em entrevista à Lusa, que as celebrações públicas feitas por Bolsonaro acerca do período ditatorial (1964 a 1985) são muito graves e passíveis de destituição.
“São muito, muito mais graves [do que acusações contra Rousseff]. Hoje não podemos incitar a população à volta do ‘AI-5’ [Ato Institucional que vigorou na ditadura] que torturou pessoas, torturou a imprensa. As pessoas não tinham direito a falar, políticos eram apanhados e torturados, Congresso Nacional fechado, Supremo Tribunal Federal subserviente. Não podemos. Não queremos que o Brasil se transforme numa Venezuela”, afirmou o senador.
“Bolsonaro age querendo ser um ditador, querendo que o Supremo e o Congresso fiquem subservientes a si próprio, mas isso não vai acontecer”, avisou, recordando: “os pilares da democracia são o executivo, o legislativo e o judiciário, que são independentes e harmónicos entre si, mas não subservientes. Por isso, a democracia do Brasil tem de imperar e quem errar, tem de pagar. Se for o Presidente, o pagamento é o seu afastamento”.
Até ao momento, cerca de 30 pedidos de destituição contra Jair Bolsonaro foram entregues na Câmara dos Deputados do Brasil, mas apenas um foi apreciado pelo presidente da câmara baixa parlamentar, a quem compete fazer uma análise inicial das denúncias contra o chefe do Executivo federal.
No final de abril, o Movimento Brasil Livre (MBL) anunciou a entrega de mais um pedido de destituição contra o Presidente, baseado em “manifestações antidemocráticas”, tendo em conta que Bolsonaro participou, no mês passado, numa manifestação que pedia uma intervenção militar e o regresso de medidas ditatoriais.
Nessas manifestações, que tiveram lugar em Brasília, o Presidente discursou para as centenas de apoiantes que erguiam faixas com frases como “intervenção militar já!”, “o povo é quem manda”, “Bolsonaro no poder” ou “fechem o Congresso”.
Os manifestantes pediram ainda o encerramento do Supremo Tribunal Federal (STF) e o regresso do “AI-5”, o Ato Institucional n.º 5, que foi decretado no Brasil, em 1968, no auge da ditadura militar, e revogou direitos fundamentais e garantias constitucionais como o ‘habeas corpus’, instituiu a censura prévia e também deu ao Presidente o direito de cessar mandatos de parlamentares e intervir em cidades e estados do país.
Entre as cerca de três dezenas de pedidos de destituição contra o chefe de Estado brasileiro, nos seus 16 meses de mandato, vigoram ainda outras acusações como alegada prática de crimes de responsabilidade e atentados à saúde pública no combate à pandemia da covid-19.
Na história do Brasil, outros dois Presidentes passaram por processos de destituição: Fernando Collor, que acabou por renunciar ao cargo em 1992, após 29 pedidos de ‘impeachment’ em 30 meses de Governo, e Dilma Rousseff, que foi destituída em 2016, depois de 68 solicitações protocoladas, em 67 meses no poder.
Contudo, segundo o senador Angelo Coronel, Bolsonaro supera Dilma Rousseff em relação à gravidade dos supostos crimes de responsabilidade, que é o delito que mais cassa mandatos de Presidentes no Brasil.
Dilma foi afastada após o congresso ter concluído que cometeu crime de responsabilidade, por alegada falsificação das contas públicas.
“Dilma Rousseff foi cassada pelo crime de responsabilidade, que hoje muitos juristas já avaliam que não foi cometido, e que se tratou de uma cassação política. Bolsonaro, em relação à ex-presidente Dilma, tem imensos casos que já são detetados como crimes de responsabilidade. Tanto é que Bolsonaro está a tentar atrair mais partidos para a sua base, para lhes dar sustentação, ou seja, para evitar que o processo de ‘impeachment’ siga para a frente”, avaliou Coronel.
Na visão do senador do Partido Social Democrático (PSD), a Câmara dos Deputados brasileira vai mesmo acabar por acatar os pedidos de destituição contra Jair Bolsonaro, apesar do presidente dessa câmara, Rodrigo Maia, ter pedido cautela na abertura de qualquer processo deste tipo.
“No caso de Bolsonaro, eu acredito que, desses 30 pedidos, vai ser muito difícil a Câmara dos Deputados segurar o processo de destituição, porque o estilo do Presidente é muito agressivo. Ele discute com a imprensa, briga com manifestantes. Ele conseguiu colocar em torno dele uma auréola, uma cúpula, achando que está blindado, mas a blindagem tem prazo de validade”, afirmou à Lusa o senador.
Contudo, o presidente da CPMI das ‘fake news’ considera que este não é o melhor momento para o Brasil passar por um processo de destituição, tendo em conta a pandemia do novo coronavírus que tem afetado duramente o país.
“Acredito que a Câmara vai acatar esse pedido de ‘impeachment’ de Bolsonaro. No momento, na minha opinião, é ruim para o Brasil um processo desses, porque estamos a viver uma pandemia, e temos de nos preocupar em salvar vidas, garantir meios para a população não passar fome. Se abrirmos um processo de destituição agora, este Brasil vira de pernas para o ar, mais do que já está”, assegurou.