O parlamento europeu apelou hoje à libertação por “razões humanitárias” e o repatriamento para a Bélgica da figura da oposição ruandesa Paul Rusesabagina, antigo hoteleiro que inspirou o filme “Hotel Ruanda”, condenado a 25 anos de prisão.
Num texto não vinculativo adotado com 660 votos a favor, dois contra e 18 abstenções, os eurodeputados condenaram “veementemente a prisão, detenção e sentença ilegal de Paul Rusesabagina, que são contrárias ao Direito internacional e ao Direito ruandês”, noticia a agência France-Presse (AFP).
Os eurodeputados, reunidos em sessão plenária em Estrasburgo, pediram “a libertação imediata de Rusesabagina por razões humanitárias e o seu repatriamento, sem prejuízo da sua culpa ou inocência”, apontando que o homem conhecido por ter ajudado a salvar mais de mil pessoas durante o genocídio de 1994 — e que detém nacionalidade belga — teve cancro e sofre de problemas cardiovasculares.
Rusesabagina, o antigo gerente que inspirou o filme “Hotel Ruanda” sobre o genocídio de 1994 no país, foi condenado pela justiça ruandesa em setembro a 25 anos de prisão por terrorismo após um julgamento que durou sete meses e cuja imparcialidade foi questionada pela sua família e por organizações de direitos humanos.
A Câmara do Supremo Tribunal para Crimes Internacionais e Transfronteiriços em Kigali declarou Rusesabagina, 67 anos, culpado de vários delitos relacionados com o terrorismo por liderar a Frente de Libertação Nacional (FLN), a ala armada do seu partido, o Movimento Ruandês para a Mudança Democrática.
Em setembro do ano passado, o antigo gestor admitiu em tribunal ser o fundador da FLN, mas negou o envolvimento nos seus crimes, que incluem ataques que mataram pelo menos nove pessoas entre 2018 e 2019.
Das nove acusações, o tribunal considerou-o culpado de oito, incluindo a pertença a um grupo terrorista e o financiamento do terrorismo.
Rusesabagina, que deixou de comparecer em tribunal em março com o fundamento de que não iria ter um julgamento justo, foi condenado num processo conjunto com 20 membros da FLN.
O antigo gerente foi detido em 31 de agosto no aeroporto internacional de Kigali, numa detenção que a sua família e advogados descrevem como um “rapto”.
Organizações como a Amnistia Internacional (AI) e a Human Rights Watch (HRW) apontaram numerosas violações dos direitos do arguido ao longo do processo, “incluindo a detenção de Rusesabagina sob falsos pretextos e a transferência ilegal para o Ruanda”, de acordo com a diretora regional adjunta da AI para a África Oriental, Sarah Jackson.
Rusesabagina foi gerente do famoso Hotel Thousand Hills, na capital ruandesa, e alojou mais de 1.000 tutsis e hutus moderados para os salvar dos hutus extremistas durante o genocídio de 1994.
O antigo gerente tinha-se tornado um adversário altamente crítico do regime de Paul Kagame, pelo que viveu no exílio entre a Bélgica – cuja nacionalidade detém – e os Estados Unidos, onde criou uma fundação que promove a reconciliação para evitar novos genocídios.
No Ruanda, porém, foi criticado por sobreviventes que o acusaram de explorar o genocídio em proveito pessoal.
O genocídio começou em 07 de abril de 1994, após o assassínio, no dia anterior, dos presidentes do Ruanda, Juvénal Habyarimana (Hutu), e do Burundi, Cyprien Ntaryamira (hutu), quando o avião em que viajavam foi abatido sobre Kigali.
Os assassínios, pelos quais o Governo ruandês culpou os rebeldes tutsi da Frente Patriótica Ruandesa de Kagame, desencadearam o massacre de cerca de 800.000 tutsis e hutus moderados em cerca de 100 dias, um dos piores assassínios étnicos da história recente.
Lusa