O presidente do Tribunal Constitucional (TC) “demarca-se da maioria das decisões” constantes no acórdão que aprovou a revisão constitucional, alertando para o “suicídio do Estado democrático de direito” ao admitir-se hierarquia entre tribunais superiores.
Para Manuel Aragão, o sistema jurisdicional existente em Angola “é difuso, onde existe uma jurisdição comum encabeçada pelo Tribunal Supremo (TS) e uma jurisdição especializada (Tribunal Constitucional) e cada um destes órgãos é chamado, de acordo com a sua natureza a dar resposta às questões a eles submetido”.
“No Estado de direito, esta estrutura e organização é determinada a fim de garantir a concretização e efetivação dos demais princípios, como o princípio do direito à tutela jurisdicional efetiva”, lê-se na declaração de voto do juiz presidente do TC angolano, que votou vencido à Lei de Revisão Constitucional (LRC).
O plenário de juízes conselheiros do TC angolano aprovou a LRC, de iniciativa do Presidente angolano, João Lourenço, rejeitando apenas a norma sobre a submissão de relatórios dos tribunais superiores, TC, TS e o Supremo Tribunal Militar, à Assembleia Nacional (parlamento angolano) e ao Presidente angolano.
A validação da LRC vem expressa no acórdão 688/2021, sobre a Fiscalização Preventiva da Lei de Revisão Constitucional, consultado hoje pela Lusa, que declara que o diploma legal revisto “está conforme aos princípios e limites fixados na Constituição da República de Angola).
Pelo menos dois, dos dez juízes conselheiros do TC de Angola, tiveram voto vencido à LRC, nomeadamente o juiz conselheiro Carlos Teixeira e o juiz conselheiro presidente daquela instância superior, Manual Aragão.
“O Tribunal Constitucional não é chamado a recomendar como se pode verificar no acórdão em apreço. Tais recomendações tendem a demonstrar uma invasão no exercício das competências legislativas, infiltrando-se como incidente no procedimento legiferante, perturbador do princípio da separação de poderes”, afirma o magistrado na sua declaração de voto.
A LRC propõe que os tribunais superiores da República de Angola são do Tribunal Supremo, o Tribunal Constitucional e o Supremo Tribunal Militar, “alterando a disposição originária dos tribunais superiores, mas mantendo as respetivas funções”.
No entender de Manuel Aragão, tendo o acórdão mantido a estrutura e funcionamento do TS e do TC, “admitir a existência de uma hierarquia (seja funcional ou protocolar) entre eles, pode constituir um suicídio ao Estado democrático de direito”.
Na medida em que, argumenta, a sua efetivação “pode criar danos à certeza e segurança jurídica, quanto ao cumprimento das suas decisões”.
A LRC ao propor o referido artigo, sustenta o magistrado judicial, “contraria a estrutura funcional dos tribunais Supremo e Constitucional, tendo em conta a natureza de cada um deles. O TS enquanto órgão superior de jurisdição comum e o TC enquanto máximo intérprete da Constituição e fiscalizar dos órgãos do poder do Estado”.
A nova ordem de precedência “é meramente protocolar e não afeta a competência de cada um dos tribunais superiores. É entendimento do Tribunal Constitucional que a norma respeita os limites materiais estabelecidos pela CRA”, refere, no entanto, o plenário.
O acórdão validou a normas sobre a jubilação aos 70 anos de juízes de qualquer jurisdição, a independência do Banco Nacional de Angola (BNA, o voto de cidadãos angolanos no exterior, os limites da propriedade privada e a retirada o gradualismo na CRA vigente.
O registo eleitoral oficioso, obrigatório e permanente, a atualização do registo eleitoral no exterior, a data das eleições gerais, que devem ser realizadas “preferencialmente durante a segunda quinzena do mês de agosto”, a extensão para 15 membros do Conselho de República mereceram também anuência do TC.
Em relação à jubilação de juízes aos 70 anos, Manuel Aragão afirma que a referida norma é “confusa e reveste-te de inúmeras inconstitucionalidades, partindo do princípio que a interrupção do mandato para as funções de juiz conselheiro, fora da jurisdição comum, pode ter atingido a idade prevista com a de jubilação, viola manifestamente o princípio da inamovibilidade dos juízes”.
O juiz presidente do TC considera ainda que o “direito e limites da propriedade privada”, previstos na LRC,”não tendo consagrado o princípio da indemnização, por justa causa ou quanto devida, viola o princípio da propriedade privada consagrado no artigo 14º da CRA”.
A Lei de Revisão Constitucional será devolvida ao Presidente angolano para este remeter novamente ao parlamento, enquanto órgão legislativo.
Lusa