O 27 de Maio de 1977 permanece como uma das datas mais sombrias e controversas da história contemporânea de Angola. Nesse dia, uma alegada tentativa de golpe de Estado liderada por Nito Alves, ex-ministro da Administração Interna, resultou numa repressão violenta por parte do regime do MPLA, culminando numa das maiores tragédias políticas do país, marcada por execuções sumárias, detenções arbitrárias e desaparecimentos forçados.

O Levantamento e a Repressão
O movimento, designado pelas autoridades como “fraccionismo”, teve início com uma tentativa de tomada de instalações estratégicas em Luanda, incluindo a rádio nacional e quartéis militares. Os insurgentes exigiam mudanças na liderança do MPLA e a implementação de uma linha mais próxima ao marxismo-leninismo radical. O Governo respondeu com firmeza, declarando o levante como traição à Revolução e lançando uma operação de repressão sem precedentes.
Estima-se que dezenas de milhares de pessoas tenham sido perseguidas, entre civis e militares, acusadas de simpatizar com os insurrectos. Muitos foram mortos sem julgamento, e outros desapareceram em circunstâncias ainda hoje por esclarecer. As vítimas incluíram figuras destacadas da juventude do MPLA, intelectuais, artistas e membros das forças armadas.
Silêncio, Luto e Busca por Verdade
Durante décadas, o tema foi um tabu político em Angola. As famílias das vítimas viveram em silêncio e medo, sem qualquer explicação oficial sobre o paradeiro dos seus entes queridos. Apenas com a chegada do processo de reconciliação nacional, iniciado nos anos 2000, o Estado começou a reconhecer gradualmente os acontecimentos do 27 de Maio.
Em 2019, o Governo criou a Comissão para a Reconciliação em Memória das Vítimas de Conflitos Políticos (CIVICOP), com o objectivo de investigar casos de desaparecimentos e execuções sumárias ocorridas entre 1975 e 2002, incluindo o 27 de Maio. Em 2021, o Presidente da República, João Lourenço, assumiu publicamente a responsabilidade moral do Estado pelos acontecimentos e pediu perdão às vítimas e suas famílias.
Reacções e Desafios
Apesar do pedido de perdão oficial, muitas famílias continuam a exigir a divulgação de listas de mortos e desaparecidos, locais de sepultamento e responsabilização judicial dos autores dos crimes. Organizações de direitos humanos e sobreviventes denunciam que o processo de reconciliação tem sido mais simbólico do que efectivo, acusando o Estado de manter impunidade e falta de transparência.
O 27 de Maio é hoje recordado com missas, marchas silenciosas e colóquios organizados por associações de familiares e académicos. Para muitos angolanos, este episódio representa um trauma colectivo não resolvido e um marco importante na luta pela memória, verdade e justiça.
Conclusão
Passados quase 50 anos, o 27 de Maio continua a ser uma ferida aberta na história de Angola. Mais do que um evento do passado, representa um alerta sobre os perigos da intolerância política e da repressão do dissenso. A construção de uma verdadeira reconciliação passa pelo reconhecimento pleno da verdade, pela justiça às vítimas e pelo compromisso com uma cultura de paz e respeito pelos direitos humanos.