A ativista moçambicana Graça Machel defendeu hoje que um adiamento das eleições distritais de 2024 deve basear-se num consenso nacional, considerando que a oposição deve encontrar formas de se fazer sentir face à “ditadura da maioria” no poder.
“Vocês [a oposição] vão ser sempre a minoria e, enquanto minoria, a ditadura da maioria vai-vos ignorar. É preciso umas outras formas de se fazer sentir”, declarou Graça Machel, durante um debate sobre a construção do Estado de Direito Democrático em Moçambique, promovido pelo gabinete do provedor de Justiça, em Maputo.
Para Graça Machel, as eleições distritais de 2024, cuja viabilidade está em análise, devem merecer um debate sobre a sua pertinência, mas o seu eventual adiamento não pode ser imposto aos moçambicanos em função da maioria qualificada parlamentar da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), partido do qual a ativista faz parte e esteve na sua fundação.
“Eu não sei se realmente as eleições distritais têm viabilidade, por isso foi criada uma comissão [para avaliar a sua pertinência]. Mas é preciso perguntar se a maneira como este processo está a ser abordado é a correta ou não. E é por isso que eu digo que temos de criar movimentos para que todos nós tenhamos um consenso […] Mas que isso não seja uma imposição de um grupo sobre a sociedade”, declarou a antiga mulher do primeiro Presidente de Moçambique, Samora Machel, que morreu em 1986, num acidente aéreo.
Graça Machel notou ainda que os “espaços de consenso” em Moçambique estão a diminuir, apelando à sociedade para ganhar coragem e reclamar os seus direitos.
“Na nossa Constituição, a soberania vem do povo, lembram-se? Isto significa que temos de abrir mais o consenso, num espaço em que não há cores políticas, religiosas ou tribais. Precisamos de consensos sobre onde queremos ir enquanto sociedade e quais são os passos que podemos dar”, frisou a ativista.
A introdução de eleições distritais a partir de 2024 para os administradores dos 154 distritos, atualmente nomeados pelo poder central, é parte do Acordo de Paz e Reconciliação Nacional assinado em agosto de 2019 entre o Governo da Frelimo e a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), que mantém um “braço armado” e está em processo de Desarmamento, Desmobilização e Reintegração (DDR).
Um eventual adiamento das eleições distritais previstas para 2024 exigiria uma revisão constitucional, que só é possível com aprovação da maioria de dois terços do parlamento e que também só pode ser feita cinco anos depois da entrada em vigor da anterior lei de revisão, o que ocorreu em 2018.
O parlamento moçambicano aprovou, no mês passado, a alteração do prazo de marcação das eleições gerais, com 164 votos da Frelimo, numa sessão marcada pelo boicote da oposição, que cantou, tocou “vuvuzelas” e exibiu cartazes para tentar inviabilizar os trabalhos.
Com as mudanças aprovadas na generalidade, o chefe de Estado deve marcar as eleições gerais de 2024 com uma antecedência de 15 meses e não de 18, ou seja, em julho e não em abril, como impunha a lei.
A Frelimo defendeu as mudanças com a necessidade de mais tempo para uma reflexão sobre a viabilidade da realização das eleições distritais, escrutínio que já considerou “inviável”.
A Renamo e o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), que abandonou o parlamento no dia da aprovação, dizem que o objetivo da Frelimo é retirar as eleições distritais da Constituição sem precisar dos votos da oposição, uma vez que a partir de junho (cinco anos após a alteração à lei fundamental) o pode fazer com dois terços dos votos do parlamento — de que dispõe.
Na quarta-feira, O Governo anunciou a criação de uma comissão para refletir sobre a pertinência das eleições distritais, entidade cuja legitimidade está a ser contestada pela oposição e pela sociedade civil.
Lusa