O representante do ACNUR no Mali considerou hoje que o Sahel tornou-se “uma bomba” que pode explodir e causar problemas graves à Europa, se não lhe for dada a ajuda e atenção que requer.
“O Sahel (sub-região africana que se estende da Mauritânia à Etiópia) é uma bomba relógio, com mais de dois milhões de pessoas deslocadas internamente e com muitas das suas regiões sob o controlo de grupos islâmicos” extremistas, disse Mohamed Askia Touré, do Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
Além do avanço dos grupos extremistas islâmicos, nestes países, especialmente no Mali – epicentro do Sahel -, outras máfias relacionadas com o tráfico humano ou grupos de mercenários, como o Grupo Wagner russo, estão a instalar-se na região, afirmou Askia Touré.
“Neste contexto, se não houver ajuda do exterior às autoridades locais, como as do Mali, os cidadãos fugirão” e serão “tentados a emigrar para a Europa”, sublinhou.
“Milhares de pessoas são forçadas a partir porque não há alternativas, e vão para norte; a tentação de ir para a Europa é muito grande”, e é por isso que a Europa tem de ajudar a estabilizar o Mali e o resto do Sahel, para não ter de enfrentar situações mais graves, acrescentou.
“Sessenta por cento do território do Mali”, explicou o responsável, “não está nas mãos do Governo, e nestas regiões, nesta terra de ninguém, não há escolas, hospitais, nem assistência de qualquer tipo. O importante é ajudar as autoridades legítimas a proporcionarem proteção e segurança à população.
Askia Touré, ele próprio nascido na Mauritânia, sublinhou por outro lado a importância da saída do Mali da missão militar enviada pela União Europeia, que permitiu aos grupos extremistas islâmicos e outros controlarem mais território.
Depois da partida dos europeus, “a missão da ONU no Mali (MINUSMA) e o exército maliano deixaram de ter a capacidade de garantir a segurança dos cidadãos”. A consequência é “mais refugiados e mais pessoas deslocadas”, num ciclo do qual não há saída, disse.
Na opinião do responsável do ACNUR, primeiro a pandemia e depois a guerra na Ucrânia fizeram com que o Mali “ficasse de fora dos holofotes” da preocupação dos países ocidentais.
Isto é “realmente lamentável”, considerou, “porque, em termos de crises políticas, económicas, de direitos humanos, de refugiados e de deslocados, a situação no país só piorou”.
Askia Touré recordou que a ajuda à Ucrânia desde o início da guerra em fevereiro é dez vezes superior à que foi dada pela Europa a toda a África nos últimos anos, pelo que apelou a uma “maior empatia” em relação ao Sahel.
Segundo o ACNUR, existem mais de 181.000 requerentes de asilo malianos em todo o mundo, e cerca de 84.000 regressaram ao país, de acordo com fontes governamentais. O país acolheu também cerca de 56.000 refugiados oriundos do estrangeiro.
Askia Touré explicou que o Mali está entre os cinco países do mundo que mais contribuem para encher os barcos que tentam atravessar o Atlântico ou o Mediterrâneo nas rotas migratórias para Espanha.
O responsável reunir-se-á nos próximos dias em Madrid com funcionários dos ministérios espanhóis do Interior, Negócios Estrangeiros e Imigração, com os quais o ACNUR espera estabelecer novos laços de cooperação que ajudem a estabilizar o país africano.
Lusa