Organizações angolanas de direitos humanos condenaram hoje com “veemência” a morte do médico Sílvio Dala, após detenção numa esquadra policial por conduzir sem a máscara facial, considerando o caso como “reflexo da extrema violência policial no país”.
Para o diretor geral do Mosaiko — Instituto para a Cidadania –, o frade dominicano Júlio Candeeiro, que lamentou “profundamente” a morte do médico angolano de 35 anos, a situação é “a todos os níveis condenável” e reflete “aquilo que tem sido nos últimos tempos o escalar da violência policial”.
“Já há uns anos que denunciamos a brutalidade policial, temos vários registos de violência policial e, em tempo da pandemia, esses casos apenas vieram à tona”, afirmou hoje à Lusa o diretor do Mosaiko – organização não-governamental angolana de promoção dos direitos humanos.
O médico pediatra Sílvio Dala morreu no passado 01 de setembro, em Luanda, alegadamente numa esquadra policial após ter sido detido por conduzir sem máscara.
Em comunicado, o comando da polícia de Luanda confirma a detenção do médico referindo que o mesmo apresentava “sinais de fadiga, teve uma queda aparatosa” e morreu no caminho para o hospital.
Uma versão contrariada pelo Sindicato Nacional dos Médicos Angolanos (SINMEA) que atribui os ferimentos na cabeça as “pancadarias e duros golpes” de que Sílvio Dala terá sido alvo na esquadra policial.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) angolana já abriu um inquérito para averiguar as “reais causas” da morte do médico.
Segundo o diretor do Mosaiko, está-se diante de “mais um caso de violência policial” em que “faltou a lei da proporcionalidade, faltou racionalismo na abordagem da questão”.
“Se o cidadão conseguiu se explicar, se havia alguma forma de passar a multa para o cidadão não havia necessidade de o reter naquele espaço”, frisou.
Frei Júlio afirmou igualmente que as reações divergentes entre a polícia e os médicos mostram “algum desespero da corporação” e que a situação deveria ser resolvida com alguma pedagogia, defendendo um inquérito “sério e independente”.
Repúdio e condenação à morte do médico Sílvio Dala também surgem a nível da Associação Mãos Livres, organização de defesa e proteção dos direitos humanos, para quem os angolanos “não podem continuar a morrer gratuitamente”.
“Condenamos veementemente a atitude da polícia nacional, sobretudo aquilo que tem sido e, pensamos que há ordens superiores por parte da polícia nacional, porquanto o ministro do Interior havia dito que não haveria de distribuir chocolates e rebuçados para com os cidadãos”, disse hoje Salvador Freire, presidente das Mãos Livres, em entrevista à Lusa.
O também advogado defende uma “sindicância para ser responsabilizada a estrutura da polícia nacional”, admitindo mesmo avançar com uma queixa ao tribunal contra a corporação policial.
A não-utilização da máscara facial no interior de uma viatura, mesmo estando sozinho, dá lugar a multa de 5.000 kwanzas, segundo o decreto presidencial sobre a situação de calamidade, que o país vive, desde 26 de maio passado, para conter a propagação da covid-19.
De acordo ainda com Salvador Freire, a detenção pelo falta de uso da máscara “não colhe, por se tratar de uma transgressão administrativa e não de um crime”, porquanto, adiantou, “nesses casos o cidadão deve pagar a multa e não ser detido numa esquadra”.
“Essa atitude é incorreta por parte da polícia nacional que, mais do que nunca, deve rever a sua forma de atuação”, concluiu.
O SINMEA agendou para os próximos dias uma marcha de protesto contra a morte do médico Sílvio Dala, que, em Angola, gerou uma onda de comoção e solidariedade para com os profissionais de saúde.
No final de agosto, a Aministia Internacional tinha já contabilizado sete mortos às mãos das forças de segurança angolanas, por não usarem máscara, entre maio e julho, admitindo que o número de vítimas possa ser superior.
Angola, que vive desde 26 de maio situação de calamidade pública, conta com 2.965 casos positivos da covid-19, sendo 1.650 ativos, 1.198 recuperados e 117 óbitos.