A calma regressou hoje a Bamako, capital do Mali, ainda com as marcas da agitação provocada pelo golpe de Estado contra o Presidente, Ibrahim Boubacar Keita, acontecimento condenado pela comunidade internacional, preocupada com o agravamento da crise naquele país.
Os vestígios dos incidentes que marcaram o derrube do poder ainda eram visíveis hoje de manhã em Bamako, nomeadamente na casa do antigo ministro da Justiça Kassim Tapo, que foi atacada e incendiada por pessoas em fúria, segundo jornalistas da agência France-Presse (AFP).
Mas já não era visível a presença de soldados nas ruas tranquilas do centro de Bamako, onde as pessoas se dedicavam aos seus negócios. Porém, os bancos e os serviços da administração pública estavam encerrados, de acordo com a AFP.
Do chefe de Estado, Ibrahim Boubacar Keita, do primeiro-ministro, Boubou Cissé, e de outros funcionários civis e militares detidos esta terça-feira durante os acontecimentos, que começaram com um motim de soldados na guarnição de Kati, a 15 quilómetros de Bamako, não há notícias.
O Presidente Keita, eleito em 2013 e reeleito em 2018 por mais cinco anos, foi levado para Kati após ter sido preso juntamente com o primeiro-ministro.
À noite, anunciou a sua demissão e depois a dissolução do Governo e da Assembleia Nacional na televisão pública.
Os golpistas, por seu lado, anunciaram a criação do Comité Nacional para a Salvação do Povo (CNSP).
“Decidimos assumir as nossas responsabilidades perante o povo e perante a história”, disse então o homem que foi apresentado como porta-voz dos militares, o coronel major Ismael Wagué, vice-chefe de Estado-Maior da Força Aérea.
“O nosso país, o Mali, afunda-se dia após dia no caos, na anarquia e na insegurança devido aos homens encarregados do seu destino”, afirmou aquele oficial.
Ao mesmo tempo o responsável apelou à sociedade civil e aos movimentos políticos para “criarem as melhores condições para uma transição política e civil conducente a eleições gerais credíveis”.
O encerramento das fronteiras e o estabelecimento de um recolher obrigatório foi também anunciado na terça-feira.
“Todos os acordos feitos serão respeitados”, disse o coronel Wagué, o que tranquilizou, ao mesmo tempo, a comunidade internacional sobre as intenções do movimento que levou a cabo o golpe de Estado.
“A [missão da ONU] Minusma, a força [anti-jihadista francesa] Barkhane, o G5 do Sahel [que inclui cinco países da região], a força Takuba [um agrupamento de forças especiais europeias criado supostamente para apoiar os malianos em combate] continuam a ser nossos parceiros”, assegurou aquele porta-voz, acrescentando que os militares estão “empenhados no processo de Argel”, o acordo de paz assinado em 2015 entre Bamako e os grupos armados do norte do país.
A Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), organização regional e mediadora na persistente crise política no Mali desde junho, condenou o golpe e deverá reunir-se na quinta-feira por videoconferência para disicutir a situação, além de ter previsto enviar uma “missão de alto nível” ao país.
A Organização das Nações Unidas (ONU) também rejeitou o golpe e o Conselho de Segurança deverá reunir-se de urgência hoje à tarde, à porta fechada, no Mali, a pedido da França e do Níger, que atualmente preside à CEDEAO, de acordo com uma fonte diplomática.
A União Africana (UA) também “condenou veementemente” qualquer tentativa de mudança inconstitucional.
Marrocos, um dos parceiros do Mali, já disse hoje estar “empenhado na estabilidade deste país”. Numa declaração emitida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, Rabat exorta “as várias partes a empenharem-se num diálogo responsável, a respeitarem a ordem constitucional e a preservarem os ganhos democráticos, a fim de evitar qualquer recuo que possa ser prejudicial ao povo do Mali”.
O golpe de Estado de terça-feira está a prolongar a crise sociopolítica que o Mali enfrenta há vários meses e que a mediação da CEDEAO não foi capaz de resolver.
Uma coligação heterogénea de opositores políticos, líderes religiosos e membros da sociedade civil multiplicou as manifestações para exigir a partida do Presidente Keita, acusado de má gestão.