Domingo, 6 de Outubro, 2024

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Na mais pequena reserva indígena do Brasil, índios lutam para sobreviver

A maior cidade brasileira tem a menor reserva índia do Brasil, um pequeno território dos indígenas Guarani Mbya, que luta há gerações para escapar à pobreza e à assimilação e agora procura sobreviver à Covid-19.

Na aldeia Tekoá Pyau, uma das seis que existem no território de Jaraguá que ainda tem áreas a serem demarcadas, os Guarani vivem em condições precárias, em casas construídas com chapas de madeira e chão de barro mas agora enfrentam um novo inimigo, além do risco de serem assimilados pelos 12 milhões de habitantes de São Paulo.

“Na primeira notícia que a gente recebeu [sobre a doença] a população ficou assustada, mas, ao mesmo tempo, nosso povo Guarani tem a fé em Nhanderu [Deus em Guarani]. Claro que só a fé não ajuda a nos proteger e estamos orientando nossa comunidade”, disse à Lusa Karai Jejoko Mirim, vice-cacique de Tekoá Pyau.

A aldeia está hoje sujeita a um cerco sanitário depois de terem sido confirmados pelo menos 60 casos de infeção, segundo um levantamento realizado dentro da comunidade até o último dia 28. Destes, 14 estão isolados e um foi hospitalizado.

Karai Jejoko Mirim, que também trabalha como assistente de saúde, contou que foi infetado pela doença, tendo sido um dos primeiros casos diagnosticados do novo coronavírus na aldeia.

Quando “eu peguei o covid-19, quando testei, minha família ficou assustada, mas ao mesmo tempo acreditou em Nhanderu, nosso Deus. Os sintomas que senti foram muito ruins, comecei com uma dor de garganta e depois senti o nariz entupido”, recordou.

“Fiquei três noites com febre e aí começou a falta de ar. Acho que é o pior [sintoma] desta doença: Você fica sufocado e te assusta isto”, explicou.

Recentemente, a organização não-governamental Comissão Guarani Yvyrupa pediu à justiça proteção aos indígenas da reserva durante a pandemia e o Governo de São Paulo transformou o Centro de Educação e Cultura Indígena (CECI) de Tekoá Pyau numa espécie de hospital de campanha onde os infetados cumprem isolamento social e são assistidos por médicos e enfermeiros.

Embora vivam muito próximos de áreas densamente urbanizadas, os guaranis do Jaraguá são muito reservados e preservaram a sua língua original, que usam para se comunicar dentro da aldeia.

O português, que aprendem na escola junto com o guarani, funciona como uma segunda língua que adotam mais quando vão à cidade ou quando falam com gente de fora da comunidade.

Silvia Benita Martins da Silva, como nome guarani de ‘Taka’, explicou que a população tem dificuldades em ficar confinada dentro da aldeia.

“Neste momento estamos passando muitas dificuldades”, disse à Lusa, acrescentando: “É muito difícil ficar dentro da aldeia” porque é necessário comprar mais alimentos que aquele que recebem”.

Morando numa pequena casa com cinco filhas, a indígena contou que tenta manter as crianças em isolamento porque tem receio.

“Eu tenho medo sim. Eu fico preocupada mais com as crianças. Se as crianças pegarem esta doença acho que elas não vão resistir”, afirmou.

A população do Território Indígena do Jaraguá, estimada em cerca de 700 pessoas das quais pelo menos metade são crianças, está a cumprir isolamento social, facto que dificulta seus moradores de comprar alguns mantimentos e obter recursos extra com venda de artesanato.

A maioria sobrevive de pagamentos de programas sociais do Governo como o Bolsa Família, que transfere renda para famílias com crianças matriculadas e que frequentam a escola.

Durante a visita, Sónia Ara Mirim uma das lideranças de outra aldeia próxima, Tekoa Ytu, conversou com a reportagem e relatou que assim como outros brasileiros menos assistidos pelo estado, os Guarani Mbya desta região de São Paulo enfrentam a pandemia com doações.

“Não está tão complicado porque parceiros nos ajudaram com cestas [de alimentos], máscaras, álcool gel, produto de limpeza. Veio muita doação há um mês para toda a comunidade”, explicou.

No entanto, “é complicado. É difícil. Ajuda do Governo a gente não tem mesmo. Aquele auxílio emergencial do Governo só algumas pessoas conseguiram”, relatou Sónia Ara Mirim.

Mesmo dentro da aldeia, a líder indígena contou que tem mantido isolamento social e que a situação tem criado um sentimento de desânimo e depressão numa comunidade que já é isolada do resto da cidade.

“Mesmo morando dentro da comunidade a gente não está indo nas casas dos outros indígenas. Estamos vivendo mesmo dentro de casa. Eu tinha uma vida muito agitada. Antes eu saia, tenho muitos amigos. Fazia palestras e agora tenho de ficar aqui. Esta muito difícil. É você se apegar a cultura e as tradições para conseguir superar, mas está muito difícil”, concluiu.

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